domingo, 31 de julho de 2011

Eu só queria a casa vazia hoje...
Eu só queria um pouco de paz

E agora, José?

JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade
                                                                    E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?
 
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?
 
E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
 
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?
 
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !
 
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?
Eu já tinha escrito tudo que ia acontecer na minha vida quando tinha uns 14ou 15 anos... Eu já tinha escrito coisas que eu sinto só agora... E mesmo assim eu ainda não estava pronto pra senti-las
Não quero beber...
Não quero sair...
Não quero ouvir musicas...
Não quero ver filmes...
Hoje eu não quero cantar
Hoje nada mata a sede...
Não quero ver ninguém...
Não quero entender nada
Queria não sentir nada agora
A calma hoje não veio
A paz hoje não veio
A esperança também não
Hoje eu não quero ler
Não quero saber do futebol
Não quero ficar quieto
Não sei o que fazer hoje
E também não quero saber
Ele perguntou: _ Você à ama de verdade?
Ele respondeu: _ É claro que sim. Por isso quero me casar.
E ele disse: _Que bom! É disso que vai ter que se lembrar nos dias ruins